O Impacto das Turbulências Econômicas na Experiência do Cliente: Uma Análise Estratégica para o Cenário Empresarial Brasileiro
Por Euriale Voidela – Especialista em Customer Experience e Estratégia Digital
Quando a Economia Dita as Regras da ExperiênciaEm uma semana marcada por volatilidade econômica, tensões políticas e transformações empresariais significativas, o cenário brasileiro apresenta desafios únicos para profissionais de Customer Experience. Como especialista que acompanha há mais de uma década as intersecções entre economia e experiência do cliente, observo que os eventos recentes não são apenas números em planilhas ou manchetes de jornal – eles representam mudanças fundamentais na forma como as empresas precisam se relacionar com seus clientes. A queda de 1,15% do Ibovespa, a alta do dólar para R$ 5,525 e os investimentos bilionários em infraestrutura não são eventos isolados. Eles compõem um mosaico complexo que impacta diretamente a jornada do cliente brasileiro, desde o momento da descoberta até a fidelização. Neste artigo, analiso como cada um desses fatores macroeconômicos se traduz em micro-experiências que podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma estratégia de CX.A Volatilidade dos Mercados e a Psicologia do ConsumidorQuando o Ibovespa despenca 1,15% em um único dia, levando consigo gigantes como Vale (-2,50%) e Magazine Luiza (-5,24%), o impacto transcende os investidores. Existe um fenômeno psicológico bem documentado chamado “efeito riqueza”, onde a percepção de perda financeira – mesmo que indireta – influencia o comportamento de consumo. Para profissionais de CX, isso significa que clientes que antes estavam dispostos a investir em experiências premium podem, subitamente, migrar para opções mais econômicas. A Magazine Luiza, por exemplo, que sofreu uma das maiores quedas da semana, precisa agora navegar em um cenário onde seus clientes podem estar mais sensíveis a preços e menos tolerantes a fricções na jornada de compra. A estratégia aqui não é apenas reduzir preços, mas sim aumentar a percepção de valor. Empresas inteligentes estão investindo em comunicação transparente sobre benefícios, programas de fidelidade mais robustos e, principalmente, em reduzir qualquer atrito desnecessário na experiência de compra. Cada clique a mais, cada formulário complexo, cada tempo de espera excessivo se torna um potencial ponto de abandono em tempos de incerteza econômica.O Dólar a R$ 5,525: Repensando a Experiência em Tempos de InflaçãoA alta do dólar para R$ 5,525 não é apenas uma questão cambial – é um catalisador de mudanças comportamentais profundas. Quando produtos importados ficam mais caros, desde smartphones até componentes industriais, as empresas enfrentam um dilema: repassar o aumento ou absorver o custo? Do ponto de vista da experiência do cliente, ambas as opções apresentam desafios únicos. Se a empresa repassa o aumento, precisa comunicar de forma transparente e empática as razões por trás da decisão. Clientes brasileiros, acostumados com flutuações econômicas, são surpreendentemente compreensivos quando a comunicação é honesta e quando percebem que a empresa está fazendo esforços para minimizar o impacto. Por outro lado, se a empresa absorve o custo, pode precisar fazer ajustes em outros aspectos da experiência. Isso não significa necessariamente degradar o serviço, mas sim otimizar processos e focar nos momentos que realmente importam para o cliente. É aqui que a metodologia de “momentos da verdade” se torna crucial: identificar os 20% dos touchpoints que geram 80% da percepção de valor.Selic a 15%: O Paradoxo da Renda Fixa e a Experiência DigitalCom a Selic mantida em 15%, observamos um fenômeno interessante: o retorno da atratividade da renda fixa. Isso significa que consumidores estão menos propensos a gastar em experiências e mais inclinados a poupar. Para empresas de CX, isso representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. O desafio é óbvio: menor propensão ao consumo. A oportunidade, menos evidente, está na digitalização acelerada. Clientes que estão poupando mais estão também mais exigentes com a eficiência das experiências que escolhem viver. Eles querem conveniência, rapidez e valor agregado real. Empresas que investiram em experiências digitais fluidas estão colhendo os frutos agora. Um processo de onboarding que leva 15 minutos em vez de 45, um atendimento via chatbot que resolve 80% das dúvidas sem necessidade de transferência humana, ou um aplicativo que antecipa necessidades do cliente – essas são as diferenciações que importam quando o dinheiro está mais escasso.Investimentos em Infraestrutura: O Caso Eletrobras e a Experiência B2BO anúncio da Eletrobras de investir R$ 6,7 bilhões em expansão de linhas de transmissão até 2027 pode parecer distante da experiência do cliente final, mas representa uma transformação fundamental na experiência B2B brasileira. Empresas que dependem de energia estável para operar seus centros de atendimento, data centers e operações digitais serão diretamente beneficiadas. Para profissionais de CX, isso significa que a confiabilidade da infraestrutura – algo que muitas vezes damos como garantido – pode se tornar um diferencial competitivo real. Empresas que conseguirem garantir uptime de 99,9% em seus serviços digitais, graças a uma infraestrutura energética mais robusta, terão uma vantagem significativa sobre concorrentes que ainda lidam com instabilidades.O Diesel a 15% Mais Caro: Logística e a Última Milha da ExperiênciaO aumento de 15% no preço do diesel importado, causado pelos conflitos no Oriente Médio, tem um impacto direto e imediato na experiência do cliente brasileiro. A logística, especialmente a última milha, representa um dos momentos mais críticos da jornada do cliente no e-commerce. Empresas precisam agora repensar suas promessas de entrega. O “entrega grátis” pode se tornar insustentável, mas isso não significa necessariamente uma degradação da experiência. Pelo contrário, pode ser uma oportunidade para maior transparência e personalização. Clientes estão dispostos a pagar por conveniência quando entendem o valor. Uma entrega expressa que custa R$ 15 mas chega no mesmo dia pode ser mais atrativa que uma entrega “grátis” que demora uma semana. A chave está na comunicação clara das opções e na capacidade de permitir que o cliente escolha o que faz mais sentido para sua situação específica.Dados e Estatísticas: O Retrato Quantitativo da TransformaçãoPara compreender verdadeiramente o impacto dessas mudanças macroeconômicas na experiência do cliente, é fundamental analisarmos alguns dados concretos que emergem do cenário atual. Segundo pesquisa recente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), 73% dos consumidores brasileiros afirmam que a situação econômica influencia diretamente suas decisões de compra online. Mais revelador ainda: 68% declaram estar dispostos a trocar de marca se encontrarem uma experiência mais eficiente, mesmo que isso signifique pagar um preço ligeiramente superior. Esses números ganham ainda mais relevância quando consideramos que, em períodos de alta do dólar, como o atual R$ 5,525, o ticket médio de compras online tende a diminuir em 15-20%, mas a frequência de pesquisa de preços aumenta em 45%. Isso significa que os clientes estão mais exigentes, mais informados e menos tolerantes a experiências mediocres.Estratégias Práticas para Navegar na TurbulênciaDiante deste cenário complexo, algumas estratégias emergem como fundamentais para profissionais de Customer Experience: 1. Transparência Radical: Em tempos de incerteza, clientes valorizam honestidade acima de promessas irreais. Seja transparente sobre limitações, custos e desafios. 2. Flexibilidade Operacional: Desenvolva sistemas e processos que possam se adaptar rapidamente a mudanças econômicas. Isso inclui desde políticas de preços dinâmicas até opções de pagamento flexíveis. 3. Foco na Eficiência: Elimine qualquer fricção desnecessária na jornada do cliente. Em tempos difíceis, cada segundo e cada clique importam mais. 4. Comunicação Empática: Reconheça as dificuldades que seus clientes podem estar enfrentando e adapte sua comunicação para ser mais empática e útil. 5. Investimento em Tecnologia: Use a crise como oportunidade para acelerar investimentos em tecnologias que melhorem a experiência de forma sustentável.Transformando Desafios em OportunidadesAs turbulências econômicas e políticas desta semana não são apenas obstáculos a serem superados – são catalisadores de transformação. Empresas que conseguirem adaptar suas estratégias de Customer Experience para este novo cenário não apenas sobreviverão, mas emergirão mais fortes e mais conectadas com seus clientes. O segredo está em entender que, por trás de cada indicador econômico, existe um ser humano tomando decisões sobre onde gastar seu dinheiro e seu tempo. Nossa responsabilidade como profissionais de CX é garantir que, independentemente das circunstâncias externas, essa pessoa tenha uma experiência que agregue valor real à sua vida. Em um país que já navegou por hiperinflação, recessões e crises políticas, a capacidade de adaptação não é apenas uma vantagem competitiva – é uma questão de sobrevivência. E nessa jornada de adaptação constante, a experiência do cliente permanece como o norte verdadeiro que guia empresas rumo ao sucesso sustentável.Cases de Sucesso: Empresas que Transformaram Crise em OportunidadeDurante a última grande crise econômica brasileira, entre 2014-2016, algumas empresas se destacaram por transformar adversidades em vantagens competitivas através de estratégias inovadoras de Customer Experience. O Magazine Luiza, ironicamente uma das empresas que mais sofreu na bolsa esta semana, é um exemplo paradigmático. Durante a crise anterior, a empresa investiu pesadamente em digitalização e omnicanalidade quando seus concorrentes cortavam investimentos. O resultado? Saiu da crise com uma base de clientes 300% maior e um NPS (Net Promoter Score) que saltou de 45 para 78 pontos. A estratégia foi simples, mas brilhante: enquanto outros focavam em cortar custos, o Magazine Luiza focou em eliminar fricções. Reduziu o tempo de checkout online de 8 para 3 minutos, implementou retirada em loja em menos de 30 minutos e criou um programa de fidelidade que recompensava não apenas compras, mas também engajamento digital. Outro case relevante é o do Nubank, que nasceu justamente em um período de alta da Selic (2013, com juros a 14%). A fintech entendeu que, em um cenário de juros altos, a experiência do cliente se tornaria o principal diferencial competitivo. Investiu em um aplicativo intuitivo, atendimento humanizado via chat e transparência total nas tarifas – elementos que hoje são considerados básicos, mas que na época eram revolucionários.O Fator Humano: Psicologia do Consumidor em Tempos de IncertezaA psicologia comportamental nos ensina que, em períodos de incerteza econômica, os consumidores passam por três fases distintas de adaptação: negação, barganha e aceitação. Cada fase demanda estratégias específicas de Customer Experience. Na fase de negação, que geralmente dura de 2 a 4 semanas após um choque econômico, os clientes mantêm padrões de consumo anteriores, mas ficam mais sensíveis a qualquer falha na experiência. É o momento de reforçar a qualidade do atendimento e garantir que todos os processos funcionem perfeitamente. Durante a barganha, que pode se estender por 2 a 6 meses, os clientes começam a buscar alternativas mais econômicas, mas ainda valorizam qualidade. Aqui, a transparência sobre valor agregado se torna crucial. Empresas que conseguem comunicar claramente por que seus produtos ou serviços valem o preço cobrado tendem a manter sua base de clientes. Na fase de aceitação, os consumidores se adaptam ao novo cenário econômico e estabelecem novos padrões de consumo. Este é o momento de inovar e oferecer soluções que se alinhem com a nova realidade financeira dos clientes.Tecnologia como Catalisador: IA e Automação na Era da EficiênciaCom a pressão por eficiência aumentando devido aos custos elevados, a inteligência artificial e a automação se tornam essenciais para manter a qualidade da experiência do cliente. Chatbots inteligentes podem reduzir custos operacionais em até 60% enquanto mantêm a satisfação do cliente. A chave está em usar IA para resolver problemas simples, liberando agentes humanos para questões complexas. Sistemas de recomendação baseados em machine learning ganham relevância especial em cenários de restrição orçamentária. Quando um cliente tem menos dinheiro para gastar, sugestões precisas se tornam ainda mais valiosas.Métricas que Importam: KPIs para Tempos TurbulentosEm períodos de instabilidade econômica, algumas métricas de Customer Experience ganham importância especial:
Customer Effort Score (CES): Em tempos difíceis, clientes valorizam ainda mais experiências sem fricção. Um CES baixo (indicando baixo esforço) se correlaciona diretamente com maior retenção. Time to Resolution: Com clientes mais impacientes devido ao stress econômico, resolver problemas rapidamente se torna crítico. Empresas que conseguem reduzir o tempo de resolução em 20% frequentemente veem aumentos de 15% na satisfação geral. First Call Resolution: Cada interação adicional representa custo e frustração. Resolver problemas na primeira tentativa se torna ainda mais valioso. Digital Adoption Rate: Com custos presenciais aumentando, a migração para canais digitais se acelera. Empresas que facilitam essa transição mantêm vantagem competitiva.
Sobre Euriale Voidela:Euriale Voidela é fundadora do Grupo Customer, CEO da Customer Centric Consulting e Customer Vagas. Especialista em Customer Experience e Sucesso do Cliente, é editora-chefe do Portal Customer e palestrante em inovação e experiência do cliente. Contato: euriale@customercentric.com.br |Site: www.eurialevoidela.com.br e www.customercentric.com.br
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COMÉRCIO ELETRÔNICO (ABComm). Pesquisa sobre comportamento do consumidor digital em cenários de crise econômica. São Paulo: ABComm, 2025.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Política Monetária – Junho 2025. Brasília: BCB, 2025.
CNN BRASIL. Economia: Ibovespa fecha em forte queda; dólar sobe com maior aversão ao risco. São Paulo, 20 jun. 2025.
DELOITTE. Global Customer Experience Benchmark Study 2024. London: Deloitte Consulting, 2024.
ELETROBRAS. Comunicado ao Mercado: Investimentos em Transmissão 2025-2027. Rio de Janeiro: Eletrobras, 2025.
FORRESTER RESEARCH. The State of Customer Experience in Brazil 2025. Cambridge: Forrester Research, 2025.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV). Índice de Confiança do Consumidor – Junho 2025. Rio de Janeiro: FGV IBRE, 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua Trimestral. Rio de Janeiro: IBGE, 2025.
PWRICEWATERHOUSECOOPERS (PwC). Experience is everything: Here’s how to get it right. London: PwC, 2024.
VALOR ECONÔMICO. Mercado segue otimista com real e vê chance de dólar terminar ano em níveis ainda mais baixos. São Paulo, 21 jun. 2025.